Viciada? Quem? Eu? (parte 1)
odeteronchibaltazar
Levanto, pela manhã, com pouca vontade de acordar. Sigo o caminho da cozinha só pelo faro. Meu marido está fazendo o café, aprontando a mesa, colocando cachorros no canil...
Há algum tempo esse ritual matutino era meu. Levantava sempre muito cedo. Seis horas era o ideal para mim. Não tinha amanhecido direito, tudo estava quietinho, fresquinho ou bem friozinho. Eu fazia o café, e ia para o jardim, mesmo de camisola, roupão e chinelos com uma xícara de café preto na mão. Sentava com os gatos ao redor e ficava escutando os passarinhos, sentindo a brisa gostosa do amanhecer e querendo que ficasse sempre assim: amanhecendo.
Mas as horas passavam, cada um ia acordando, levantando, se arrumando e pegando o seu rumo: faculdade, trabalho.
Eu ficava em casa com minha rotina de dona-de-casa-de-todo-dia-ter-de-fazer-a-mesma-coisa.
Nunca me queixei desses trabalhos todos. São necessidades do dia-a-dia. Têm de ser feitas de um jeito ou de outro. Aliás, sempre gostei muito de arrumação, de faxina, de decoração de casa. Como se eu continuasse a brincar de casinha, igual aos tempos de crianças, lembram?
Mas algo em minha vida tem mudado. Só não sei qual foi o instante em que isso aconteceu.
Não consigo mais acordar cedo. Não tenho mais necessidade de brincar de casinha. Não tenho mais tempo de ouvir os passarinhos.
Agora, a primeira coisa que faço ao acordar é ligar o computador e abrir o outlook para baixar as mensagens, para ver se tem algum email de vida ou morte que tenha que responder, abrir os programas de fotos para formatar um poema meu ou daquele amigo que me pediu na semana passada e que tinha me esquecido, ver quem ficou pela madrugada afora na net... tudo isso, antes mesmo antes de tomar o cheiroso café, preparado pelo meu marido. E falando nele, cadê? Já saiu, é mesmo. Era ele dando um tchau ainda há pouco. É... acho que era...
Meus gatos, agora, é que vêm atrás de mim. Os passarinhos? nem sei se cantam mais... tarefas da casa? Faço o mais rápido que puder. Tenho de responder aquelas centenas de emails que deixei na caixa de entrada. As flores, deixo-as no jardim mesmo, que não tenho mais tempo de colhê-las e colocar em vasos. As toalhas engomadinhas são de um passado, onde a brincadeira preferida era brincar de casinha. Agora brinco de outra coisa. Brinco de internet, de fotomontagem, de fazer papel de carta, de reduzir música mp3 para wave, brinco de transformar imagem jpg em gif, me divirto em aplicar filtros em imagens, esqueço da vida escrevendo poemas e crônicas e mensagens para o mundo inteiro, e faço essas coisas deliciosas que me fazem esquecer das tristezas da alma.
Aqui em casa dizem que estou viciada em computação, internet, emails, essas coisas. Dizem que me transformei em uma nerd. Eu acho que não. Posso passar quantas horas eu quiser sem ler um email, sem chegar perto do computador. Isso mais do que prova que estou "limpa", sem vício algum... Opsssss, peraí... Está chegando email... com licença.
odeteronchibaltazar