quinta-feira, janeiro 22, 2009

Múltipla





















Múltipla

odeteronchibaltazar

"Se me contemplo,
tantas me vejo,
que não entendo
quem sou, no tempo
do pensamento.
(...)
Múltipla, venço
este tormento
do mundo eterno
que em mim carrego:
e, una, contemplo
o jogo inquieto
em que padeço."
Cecília Meireles in Mar absoluto e Outros Poemas

Não quero imitar, mas acabo imitando. Ando com tantas odetes em mim, que me vejo como tantos poetas que se desdobraram em vários personagens (olhem que convencida que estou!).
Quem está escrevendo aqui é a odete-dona-de-casa-mãe-esposa-filha-irmã-poeta-amante-triste-faceira-arteira-etc-e-tal.
Vim aqui com todas as minhas odetes, mas nem sempre é assim.
Muitas vezes aparece somente a odete-poeta e esta é meio tristonha, meio down, deprimida até, e quando ela aparece, toma conta das minhas palavras e não consigo controlar. Por isso a maioria de meus poemas são tão tristonhos. Esta odete sofre e chora de verdade.
Noutras vezes vem a odete alegre, displicente, divertida até... (a que manda recadinhos). Esta adora brincar de amar. Adora um "fantasiê". Veste-se de namoradeira e sai aprontando.
Na maioria das vezes aparece a odete centrada: é a que escreve crônicas do dia-a-dia com transparência e verdade, sem enfeitar nada. Esta é a mais realista que existe dentro de mim. É a dona-de-casa, amiga dos eletrodomésticos, a que cozinha sopas ao anoitecer e espera o marido na porta de casa. É a mãe e avó dedicada. É a que brinca de casinha todos os dias.
Existe tantas odetes em mim, quantas são necessárias para cada ocasião.
O difícil é quando minhas múltiplas personalidades se misturam e eu me atrapalho toda.
Não é fácil gerenciar cada uma delas, pois a cada dia me desdobro em outras que vão aparecendo.
Sabem?
A odete-poeta fica tímida quando tem que mostrar seus poemas ao mundo. Aí entra a odete-sensata e diz: pra que você escreve se não quer mostrar ao mundo? Não precisa se envergonhar de ser tão sentimental e lírica.
Então me solto, poeta, enfim...
Esta multiplicidade de odetes já foi observada por alguns de meus leitores (vejam que chique!) que me escreveram falando do assunto e eles ficam admirados com minha abundância de identidades (eu acho que ficam atrapalhados com tanta confusão...).
E se eu desse um pseudônimo para cada minha personalidade?
Faria como Fernando Pessoa e seus heterônimos.
Hi! Acho que não devo. Vou me atrapalhar mais ainda.
Melhor deixar como está.
Assim vou sendo múltipla e dou, a vocês, o problema de descobrir qual está atuando no momento.
Saberiam me dizer quem está aqui agora?

terça-feira, janeiro 20, 2009

Altos e baixos - o efeito gangorra












Altos e baixos - o efeito gangorra

odeteronchibaltazar

Li o livro da Kay Redfield Jamison "Uma mente inquieta" e em vários relatos me identifiquei com a autora que tem transtorno bipolar, antigamente chamada de doença maníaco-depressiva.
É um transtorno onde o indivíduo se vê em fases de extraordinária produção intelectual e física, opondo-se a outra fase de completa ausência de interesses pelo que quer que seja. Fases de euforia e fases de depressão braba.
Fases como a lua: "fases de andar escondida, fases de vir para a rua", como diz a Cecilia Meireles nos seus versos.
Vou falar por mim que me trato (há bastante tempo) deste mal:
Desde que me conheço por gente, sempre tive esses altos e baixos no meu comportamento. Que eu me lembre, desde a minha infância, na época do primário, eu já apresentava surtos maníacos. Lembro de uma vez que rasguei livros e cadernos só porque não conseguia traçar uma linha com a régua e caneta sem borrar. Conseqüência: tive que remendar o livro e passar todos os "pontos" a limpo.
Pela vida afora, fui apresentando mais ou menos episódios que sempre pareciam fazer parte da minha personalidade "estranha", mas nunca tive um diagnóstico a não ser há alguns anos (há 16 anos).
Na fase depressiva o raciocínio e a concentração ficam comprometidos. Não consigo ler, escrever ou ver filmes.
Tenho fixação pela morte: medo de perder os que me rodeiam e constantemente querendo uma explicação para este tema. Não me animo a fazer nada, o sono fica perturbado com freqüentes apnéias.
Não saio porque não quero ver gente. Tenho medo de qualquer aproximação, mesmo com os mais chegados da família.
Não atendo telefone ou campainha.
Não saio para fazer compras ou cuidar de mim.
Fico horas parada com a mente perdida, sem nenhum pensamento.
Nestas horas, o choro fica fácil, a raiva fica descontrolada e, não raro, acabo quebrando objetos que estão ao alcance das mãos.
Meu estômago vive com um grande buraco e como grandes quantidades de comida até vomitar... e me arrependo depois. Não foi à toa que fiquei obesa, culminando numa gastroplastia.
Procuro comida nos armários e geladeira e acabo comendo porcarias que me fazem mal.
Na fase de mania faço tudo exageradamente e com uma alegria exacerbada, tais como: falar, comprar, escrever, limpar, amar. Nesta fase acentua-se a minha mania de limpeza e varro várias vezes o mesmo lugar.
É nesta fase que recomeço meus exercícios físicos, cuido da dieta, pinto ou corto o cabelo, faço depilação, arrumo as unhas em cores, atendo telefone, saio com as amigas.
Se vou fazer compras acabo comprando coisas que nem vou usar como por exemplo roupas, sapatos, bolsas, óculos. E me arrependo depois... Juro que não faço mais, mas acabo fazendo igual no próximo surto compulsivo.
Tudo isso que (falei) escrevi tem conseguido aparecer em doses controladas, se é que se pode falar desta maneira, já que faço tratamento psicoterápico e farmacológico. Ou seja: vou ao psiquiatra regularmente e tomo medicação apropriada.
Aceitei que tenho o transtorno bipolar e sobrevivi ao preconceito de ser uma interna de clínicas psiquiátricas e de ter feito o tratamento por eletrochoques (ECT). Já falo normalmente (?) da minha "doença", embora nem sempre meus ouvintes achem a coisa tão natural quanto o é para mim.
Os que estão mais próximos de mim, me entendem e me aceitam com minhas manias e depressões.
Não posso ficar sem meus comprimidos e/ou terapia para meu próprio bem e dos que me rodeiam, mas consigo ter uma vida praticamente normal, respeitando minhas limitações. Quem me vê nem diz que eu sou assim. Disfarço bem.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Minha máquina de lavar roupas aluada





















Minha máquina de lavar roupas aluada

odeteronchibaltazar

Minha máquina de lavar roupas, que não é nenhuma Brastemp, mas é também famosa e de boa estirpe, de uns tempos pra cá vem apresentando um ruído estridente na lavação. É um trec-trec-trec alto e ruidoso que me incomoda o tempo todo em que ela funciona. Sabem quando parece que tem alguma engrenagem solta? Pois é...

Faz toda a programação bonitinha, tudo corretinho. Mas a barulheira é tanta, que aqui está parecendo casa de louco. Para não enlouquecer de vez, chamei o técnico, meu conhecido de outras máquinas.

Chegou, mexeu na máquina, botou pra funcionar e, enquanto eu rodeava o técnico pelas vizinhanças da área de serviço, percebi um certo silêncio. Não é que a minha ruidosa e escandalosa máquina estava rodando bela e faceira com a educação de uma lady? Silenciosa, sem trec-trec algum. Como é que é?

- O que era que fazia aquele barulho infernal? Perguntei pro rapaz.

- O que era o quê?

- O defeito, insisti.

- Não fiz nada. Não mexi em nada. Só botei pra funcionar.

- Como assim? Essa máquina estava fazendo tanto barulho que nos deixava malucos e agora está muda que nem uma porta. Nem parece ligada.

O técnico me olhava de soslaio.

- Acho que é porque está girando sem água, disse eu, achando que tinha descoberto finalmente algo importante.

Então colocamos água e sabão e até roupa, e ligamos a Dona Máquina Aluada.

Suspense! Tensão no pequeno recinto.

Tchan tchan tchan tchan!

Silêncio absoluto! Cadê o barulho? Cadê o trec-trec-trec que me enlouquecia?

Fiquei com cara de tacho.

O rapaz devia me achar uma daquelas donas de casa desesperadas por companhia, que chama o técnico de qualquer coisa, só pra ter com quem conversar.

Fiquei sem graça, sem jeito, sem assunto.

Que remédio! Paguei a visita de praxe.

Querem saber? Dois dias depois a porcaria da máquina voltou a fazer o maior estardalhaço.

Está lá, rodando sozinha na área de serviço, feito uma louca com os trec-trecs dela, aquela doida varrida! Aluada!

E agora? Chamo o técnico?

E se a máquina resolve ficar boazinha na frente do moço de novo?



(22 de setembro/2007)

terça-feira, janeiro 13, 2009

Faro















Faro

Teu cheiro,
coisa volátil,
incêndio,
trovão.
Onda que me excita,
incita,
fustiga.
Mescla de sândalo
e jasmim,
teu cheiro nutre
e me pinica.
Teu cheiro
cabe inteiro
nos meus desvãos.

odeteronchibaltazar
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