terça-feira, março 21, 2006

Imperfeito do Subjuntivo

odeteronchibaltazar


Virasse para o lado e pudesse esquecer as memórias que cismavam em vir para o jantar. Sentasse em outro lugar na mesa para um e os fantasmas fossem embora sem se despedir. Mirasse o espelho e aquela que espia saísse do gelo e a substituísse... por certo teria um pouco da paz que só existe nas fantasias das manhãs ensolaradas, no breakfast a dois, no que rola depois do amor, na cama desarrumada, na preguiça de domingo...
Pusesse um pouco mais de açúcar no café e adoçaria os inviezados do olhar, as palavras amargas, o não dito, o choro camuflado, o carinho não tido.
Tivesse um tiquinho a mais de coragem e sairia com a roupa do corpo para lugar indeterminado ou paragens desconhecidas em busca de si mesma - aquela, a que a fitava de dentro do espelho, a verdadeira, a legítima, a que não tinha dúvidas.
Tivesse a certeza, um pouco só, e estaria em risos sem a cabeça que pesava toneladas que a deixava confusa nem bem o dia começava.
Tivesse decidido e estaria tudo clean, higiênico, pasteurizado, homogeinizado sem contaminação de pensamentos atrapalhados e impuros.
Estivesse em estado de insanidade e faria coisas assim como correr pelada na chuva, beber caldo de cana no quiosque da beira da estrada, comer pão com manteiga no bar da esquina, chamar o nome do amado mesmo sem ele escutar, rezar de noite, dormir sem tomar Dormonid, acalmar-se sem Valium, animar-se sem Prozac...
Ah, se tivesse coragem e vivesse simplesmente!

21março2006

domingo, março 19, 2006

Porque estou feliz

odeteronchibaltazar

Não me surpreende o sorriso matreiro
que ora pinta no meu rosto.
Ele é a bandeira desfraldada,
o outdoor escancarado
da minha alma em festa.
Agradam-me as asas dos pés
e o brilho de asas de borboletas
no olhar.
Encantam-me as risadas cristalinas
dizendo versos
em dourados de outono.
Divirto-me com as bolhas da água da chuva na calçada a salpicar
meus sapatos.
Saboreio o vento revirando
as toalhas no varal.
Colho raios de sol
em cada folha do jasmim,
bebo cristais das folhas luzidias pela manhã...
Danço serelepe em nuvens
grávidas de chuva.
Encontro adjetivos em verbos prontos.
Sou palavra pronta para ser lida,
começo e final,
a mão que cabe em tua luva,
o despertar dentro do sono...
Tenho a sede e a água,
a frase e o último ponto,
a caneca e o café.
De todos os bens que tenho a declarar
eu digo sem pestanejar:
Estou aqui à tua espera,
tenho asas prontas para voar.

odeteronchibaltazar

quinta-feira, março 09, 2006


Formatura turma de 1972
Colégio Madre Teresa Michel, Criciúma
Mulher e romântica forever

odeteronchibaltazar

Quando fazemos uma promessa temos que cumprir se não corremos o risco de perdermos o benefício. Pois é... Eu prometi (a mim mesma) que escreveria um livro. Isso nos tempos de escola do Rio Maina e do Colégio Madre Teresa Michel. Como sempre me saía bem nas redações disseram que eu prometia. Prometia o quê? Esperavam muito daquela menina super estudiosa e comportada que até escrevia bem. E eu queria realizar todas as expectativas e ia seguindo na direção. Esperavam tudo da oradora da turma.
Colégio de freira é exigente e, embora eu viesse de uma família onde o pai era muito rígido, a disciplina da época das freiras me retraía ainda mais. Lembro que no ensaio do meu discurso de formatura a Irmã Sônia achou que estava tudo muito romantizado, meloso demais. Mas a Irmã Celina retrucou que aquele era meu estilo e que deveria permitir que ficasse assim. Ficou. Agradou e fui aplaudida. Fiz rir e chorar. E me dei conta que poderia direcionar platéias apenas com palavras.
Na Universidade já não me sentia mais tão escritora. Na Graduação de Letras um professor me tirou a ilusão. Disse que eu era romântica demais, melosa até (eu já conhecia esse veredicto) e que esse estilo tinha acabado. Eu não tinha futuro. Assim. Na bucha. Minha vontade de escrever qualquer coisa que cheirasse a literatura acabou. Apertei o botão Stop e fiquei assim tanto tempo que nem me lembro quando recomecei a escrever. Acho que depois de anos, quando senti que não estava realizada somente como mãe e que estava faltando alguma coisa a mais nessa minha jornada.
A opção por não-trabalhar-fora-de-casa trouxe consigo a vontade de realizar aquele velho sonho... Ah, tão antigo que quase não mais existia. Mas aquela chama tão débil voltou devagarinho e eu, entre uma louça e um cozido, entre tarefas da filha e reunião de mães fui escrevendo e registrando emoções que escondia em gavetas. A cada dia refazia o que escrevera no dia anterior e assim ia guardando as primeiras páginas do meu prometido livro.
Mas eu ainda tinha medo. Ainda era a garotinha do colégio com medo de mostrar os deveres ao professor. E as gavetas continuaram a guardar meus tesouros e a transbordar de romantismo até que surgiu uma novidade que modificou meu comportamento totalmente: a internet.
Nos grupos de literatura passei a interagir com outras tantas pessoas tímidas que também tinham o sonho secreto de escrever um livro e também tinham as mesmas ansiedades e medos e pretensões. E também eram românticas...
No mundo cibernético passei a me moldar diferente e surgiu uma pessoa mais solta, irreverente, criativa e amante da liberdade de expressão. Passei a conviver diariamente com centenas de escritores e leitores. Meus escritos deixaram de ser arquivos mortos e passaram a circular no mundo internáutico com uma rapidez impressionante. Dei-me conta que tudo podia ser quando escrevia. Comecei a usar minha imaginação, memória, sentimento, emoção tudo em uníssono. E deu certo. Meus livros passaram do virtual para o mundo dito real. Primeiro em Antologias com outros escritores e agora - sonho dos meus sonhos - o meu livro solo que será lançado no próximo mês. Tudo preparadinho, no gatilho, pronto para realizar a minha promessa que fiz lá atrás, lembram? Eu lembro. Nunca esqueci.
Eu escrevi o livro. Já plantei a árvore. Já tive a filha. O que falta mais? Ah, falta muito. Muito mais...

segunda-feira, março 06, 2006

CONTO







Branco & Preto


odeteronchibaltazar

Já tivera dias de primavera em pleno inverno . E eram todos claros e azuis, límpidos e transparentes.
Dava bom dia ao sol que ainda nem se mostrava. Dava boa noite à Vesper luzente no ocaso colorido. Em cores, vivia sua vida, eterno cinemascope.
Não precisava pedir nada. Tinha sempre tudo à mão: chuva, ventos, calmaria, brisa, trovão. Se quisesse um pouco de paz, tinha gorjeio de pássaros. Se quisesse sossego, tinha intimidade entre as folhagens.
Desejando dançar, tinha o lago e as cachoeiras com músicas. Era livre para andar nu, rasgado, descabelado, remelento, limpo até a alma.
Podia gritar, cantarolar e ninguém reclamava. Sussurrava, chorava e ria... fazia o que bem quisesse, rezava, até!
Comia na hora que desse fome, dormia quando o sono chegava. Acordava com o romper do dia. Era livre para ver o que quisesse, na hora que bem entendesse. Cuidava de seu quintal, ia à mercearia do povoado. Tomava banho de cachoeira pelado, os pelinhos todos se arrepiando, o frio insinuando-se no corpo inteiro. Trabalhava e sonhava na rede esticada na varanda. Bastava-se. Completa e infinitamente solidão. Plena e benfazeja distância.
Não fosse a finitude da vida, jurava que estava no Paraíso.
Mas fazia uns dias que começara a questionar sobre os dias e as noites e a inquietude começara a se instalar. Já não dava bom dia ao sol ou boa noite aos pirilampos. Tudo lhe parecia um encompridamento só. Não descansava mais e o corpo doía inteiro.
As perguntas ficavam no ar irrespirável. Não achava respostas em suas leituras, em seus banhos, em sua rede.
A que viera, para onde iria, quando sairia de cena.
O medo morava fundo. Não dormia, não acordava. Só doía. Doía inteiro por todo o sempre.
Não mensurou tempo porque dor não tem marcação. É longa demais o tempo todo. Mas ficou assim doendo uma infinitude até decidir partir.
Anda, agora, pelas esquinas, sem identidade, que no inferno não se tem nome. Solitário tempo integral, não vê a hora de alçar vôo.

quinta-feira, março 02, 2006













O céu que inventas

odeteronchibaltazar

Escrevo cristais em papéis
que voam para a tua fronte
mas não me decifras...
mesmo quando
caem em gotas
na tua boca.
Calado,
não me dizes dos amores que espero
ou das alegrias que quero.
Sequer me convidas
para a festa
que em segredo preparas
para teus amores incertos.
Sequer me levas em tuas asas
nos vôos que intentas,
solitário anjo,
que me visita
nas minhas insônias...
(tantas...)
Dá-me, por favor, uma linha
do teu destino
para que eu possa bordar,
finalmente,
teu nome
junto ao meu
neste céu que ora inventas...

odeteronchibaltazar

quarta-feira, março 01, 2006













Destino

odeteronchibaltazar

Desdobro-me,
reparto-me,
divido-me,
mas continuo una.
Cósmica alquimia,
a manter-me
- sempre tua -
inteira,
suspensa,
em tua mão.

odeteronchibaltazar
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