odeteronchibaltazar
Li um artigo sobre casas mortas e casas vivas, fazendo alusão ao movimento que essas casas teriam, ou não, de acordo com a vivência do povo que nelas morassem.
Já tinha me dado conta disto e já vinha observando as casas que visitava.
Já entrei em casa onde me pareceu estar em uma vitrine de "casa&jardim", com nadica fora do lugar, como se esperassem por fotógrafos a qualquer momento. Nem um copo na pia, ou um livro largado no sofá, ou uma toalha esquecida em cima da cama, ou um chinelo jogado ao lado da cama... Um gato no sofá? Nem pensar!
Os porta-retratos simetricamente arranjados nas prateleiras tinham sorrisos arrumadinhos e anti-simpáticos. As almofadas fofas eram gordas e intactas no sofá branco asséptico. As cadeiras perfiladas ao lado da mesa esperavam pelos convivas em dia de faustos jantares programados com sorrisos nos devidos lugares. As camas com as colchas sem uma preguinha sequer denunciavam que naquele lugar era proibido se espreguiçar fora de hora ou ler um livro deitado com montanhas de travesseiros nas costas.
As janelas e as cortinas fechadas não deixavam o sol (que pretensão!) entrar. O vento era amaldiçoado. E tudo ficava num silêncio que doía nos ouvidos.
Comecei a gostar das casas onde, na pia, sempre tinha umas xícaras com restos de café ou copos com suco, prontas para serem lavadas, e a chaleira sempre, no fogão, à espera de água para mais um café da hora.
Passei a achar poético, mais do que desleixo, os brinquedos deixados no tapete, ou a bola largada no jardim, ou a bóia flutuando na piscina. E os tênis largados na grama com as meias que o labrador roeu? Quer mais sinal de que existe vida nessa casa?
Para mim, um livro largado no sofá ao lado de uma xícara de café e dos óculos de leitura passou a ser mais uma cena de pintura (still life) e não um motivo para me descabelar para correr e pôr em ordem.
Mas tempo já houve em que eu ficava exausta tentando apagar qualquer vestígio de vivência dentro de casa. E como na minha casa a vida pululava, eu vivia em eterna briga com a vida, tentando amortizar e amordaçar, querendo deixar tudo inerte, silencioso, descolorido.
Só que tenho algo dentro de mim mesma que deixo escapar e que não consigo colocar em ordem por mais que eu queira. E isso se reflete no exterior, nas minhas coisas e no que me rodeia. Tenho as janelas sempre abertas com o vento a brincar nas cortinas, os gatos deitados nos sofás, as roupas no varal, a chaleira no fogo, o ursinho da netinha no tapete e os chinelos largados no meio da casa porque gosto de andar descalça e os cabelos ao vento. Minha casa nunca será fotografada pela produção da "casa&jardim" pois sempre terá risos e ventos espalhados pelos cantos todos, numa desordem amorosa e aconchegante. Quem olhar mais atentamente, vai perceber que por aqui, a vida anda à solta pelos quartos, salas e pelo jardim.
odeteronchibaltazar
Li um artigo sobre casas mortas e casas vivas, fazendo alusão ao movimento que essas casas teriam, ou não, de acordo com a vivência do povo que nelas morassem.
Já tinha me dado conta disto e já vinha observando as casas que visitava.
Já entrei em casa onde me pareceu estar em uma vitrine de "casa&jardim", com nadica fora do lugar, como se esperassem por fotógrafos a qualquer momento. Nem um copo na pia, ou um livro largado no sofá, ou uma toalha esquecida em cima da cama, ou um chinelo jogado ao lado da cama... Um gato no sofá? Nem pensar!
Os porta-retratos simetricamente arranjados nas prateleiras tinham sorrisos arrumadinhos e anti-simpáticos. As almofadas fofas eram gordas e intactas no sofá branco asséptico. As cadeiras perfiladas ao lado da mesa esperavam pelos convivas em dia de faustos jantares programados com sorrisos nos devidos lugares. As camas com as colchas sem uma preguinha sequer denunciavam que naquele lugar era proibido se espreguiçar fora de hora ou ler um livro deitado com montanhas de travesseiros nas costas.
As janelas e as cortinas fechadas não deixavam o sol (que pretensão!) entrar. O vento era amaldiçoado. E tudo ficava num silêncio que doía nos ouvidos.
Comecei a gostar das casas onde, na pia, sempre tinha umas xícaras com restos de café ou copos com suco, prontas para serem lavadas, e a chaleira sempre, no fogão, à espera de água para mais um café da hora.
Passei a achar poético, mais do que desleixo, os brinquedos deixados no tapete, ou a bola largada no jardim, ou a bóia flutuando na piscina. E os tênis largados na grama com as meias que o labrador roeu? Quer mais sinal de que existe vida nessa casa?
Para mim, um livro largado no sofá ao lado de uma xícara de café e dos óculos de leitura passou a ser mais uma cena de pintura (still life) e não um motivo para me descabelar para correr e pôr em ordem.
Mas tempo já houve em que eu ficava exausta tentando apagar qualquer vestígio de vivência dentro de casa. E como na minha casa a vida pululava, eu vivia em eterna briga com a vida, tentando amortizar e amordaçar, querendo deixar tudo inerte, silencioso, descolorido.
Só que tenho algo dentro de mim mesma que deixo escapar e que não consigo colocar em ordem por mais que eu queira. E isso se reflete no exterior, nas minhas coisas e no que me rodeia. Tenho as janelas sempre abertas com o vento a brincar nas cortinas, os gatos deitados nos sofás, as roupas no varal, a chaleira no fogo, o ursinho da netinha no tapete e os chinelos largados no meio da casa porque gosto de andar descalça e os cabelos ao vento. Minha casa nunca será fotografada pela produção da "casa&jardim" pois sempre terá risos e ventos espalhados pelos cantos todos, numa desordem amorosa e aconchegante. Quem olhar mais atentamente, vai perceber que por aqui, a vida anda à solta pelos quartos, salas e pelo jardim.
odeteronchibaltazar